segunda-feira, 23 de junho de 2008

O Mendigo


Nas portas da igreja vivia um mendigo. O seu nome eu desconhecia, mas dor era visível nas chagas que carregava na sua pele. A cangrena que se alastrava pela sua perna direita, era sinónimo de sofrimento. As suas roupas, se é que podemos chamar roupas, não eram mais do que os restos dos farrapos deixados pelo que a vida não lhe conseguiu tirar na altura, mas mesmo assim roubava-lhe fio após fio de tecido do blaser que também servia de alimento às traças. Os calebos ralos cobriam o rosto sujo. Sujidade essa que escondia a dor, não a dor física, mas a dor que consumia a alma. A mágoa de ser abandonado pelos seus, a mágoa de ser despresado pelos que o olhavam de cima para baixo.
Todos os dia quando saia de casa e quando voltava para casa, lá estava o mendigo na porta. Deitado no seu pedaço de papelão ali passava o dia ou a noite, quem sabe, uma vez que, quando estamos no nosso conforto, estamos num mundo só nosso, onde as necessidades dos outros não entram. Por onde andaria ele? O que faria?
Um dia quando sai de casa decidi sentar-me ao seu lado. Ele olhou-me e nada me disse, continuando a olhar para a parede branca a ruir em frente. Olhei com ele a parede, nada de especial se via.
Ele virou-se para mim e disse: “Não olho para a parede, porque não tem interesse nenhum. Olho para o meu mundo. Aquele em que não existe o stress, a preocupação, o ódio, a ganância, a traição e a mentira. Olho para aquele em que vejo respeito, paz, amor, harmonia e felicidade. Construo a minha Terra do Nunca. Construo na mente, pois, quando pude, não a construi.”
E voltando-se para a parede, continuou a sua construção. Eu levantei-me, nenhuma palavra proferi. Afinal não tinha palavras para dizer. Fui para casa a pensar. Quando me deitei pensei como seria a Terra do Nunca? Adormeci a pensar
No outro dia passei pela igreja. Não vi lá o mendigo. Perguntei por ele. A resposta foi que nunca existiu ali um mendigo, porque aquela igreja era a mais conceituada da cidade e não permitia que existisse ali mendigos para incomudar os ilustres fiéis que ali entravam.
Fui para casa preplexo. Eu tinha ali estado sentado com o mendigo. Sentei-me no sofá. Não liguei a televisão, não atendi o telefone, apenas pensava. A Terra do Nunca...
A Terra do Nunca! Percebi finalmente!
Conseguiram perceber?

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Voar para a Vida



De nada serviam os avisos que existiam na falésia, que era constantemente atacada pelo mar. Talvez não fosse um descuido as mortes que ali aconteciam. Muito provável que alguém sem mais motivos para viver, se lançava do alto e mergulhava no mar.
Uma vez em queda, já não havia salvação possível. Como seria a sensação de voar para a morte? Seria liberdade, ou arrependimento. Será que naquele momento, ates de morrer, a vida lhe passaria diante dos olhos? De que se lembraria? Das coisas boas, ou das coisas más?
O impulso que precipitava a pessoa a morte seria na verdade mais forte que a sua vontade de viver. Mas o que é certo é que ele também só é mais forte porque a Morte, no momento, é a única presente a apoiar a decisão.
E se naquele momento estivesse um amigo presente a apoiar a viver? E se naquele momento estivesse um pai a perdoar o filho por ter entrado no mundo das drogas e disposto a ajudá-lo? E se tivesse o filho que depois de uma vida construída às custas do suor de uma mãe e dizer para não ficar sozinha e viver com ele?
Seria nesse momento a Morte mais forte que o Amor?
As respostas concretas não existem, nem nunca existiram. Mas existem certamente oportunidades. Oportunidades de estender a mão a um amigo, um familiar ou até mesmo um desconhecido, e mostrar que o certo é viver, que procurar a morte é covardia e não é a última solução para os problemas. Deixar o ódio e a ganância de lado e perceber que do pó viemos e ao pó voltaremos.
Ninguém é melhor do que alguém, ou pior. Dependemos uns dos outros, dependemos do amor uns dos outros. Porque razão passarmos numa rua e deixar uma moeda a um mendigo, se podemos lhe dar um prato quente e um sorriso e dizer: “Levanta-te, a luta ainda não acabou. Podes mudar o rumo da tua vida!”.
Pensando desta forma, acho que não me vou atirar desta falésia. Afinal a minha vida tem sentido. Posso não ter jeito para trabalhar computadores, para escrever uma simples carta, para jogar futebol, mas tenho jeito para amar. Para estender a mão a uma pessoa e dizer: “Vamos lutar juntos pela vida!”.
Afinal o Amor pode ser mais forte que a Morte, quando nós acreditamos nele.